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Maranhão

Ação do Grupo Mateus desaba após R$ 1 bi de erro em estoque e pressão em governança

Redação

Ação do Grupo Mateus desaba após R$ 1 bi de erro em estoque e pressão em governança

Grupo Mateus, uma das principais redes de varejo do Nordeste brasileiro, está no centro de uma controvérsia que expõe vulnerabilidades em sua estrutura de governança. Na noite de quinta-feira, 13 de novembro de 2025, a companhia divulgou ajustes contábeis que revelaram um erro de R$ 1,1 bilhão na valorização de estoques no balanço patrimonial de 2024, decorrente de falhas nos cálculos do custo médio das mercadorias vendidas (CMMV). Esse anúncio, somado a problemas operacionais como furtos internos e ineficiências em inventários, levou a uma queda acumulada de quase 14% nas ações (GMAT3), equivalente a uma evaporação de R$ 1,9 bilhão em valor de mercado.

O impacto imediato foi sentido na B3: na sexta-feira, 14 de novembro, as ações caíram 10,2%; na segunda-feira, 17, acumularam mais 1,96%; e na manhã desta terça-feira, 18, recuavam adicionais 2%, conforme dados de mercado consultados em tempo real. Analistas e gestores ouvidos pelo Valor Econômico atribuem a reação à percepção de falta de transparência na comunicação da empresa, especialmente porque os ajustes não foram divulgados em 2024, quando o problema começou a ser identificado internamente. Em vez disso, a reapresentação dos saldos comparativos foi tratada nas notas explicativas do balanço do terceiro trimestre de 2025 como parte de um “fortalecimento da governança e aprimoramento de controles”, sob a norma CPC 23.

Histórico de alertas ignorados: Das deficiências de 2021 à rotatividade de auditores

O tema das deficiências em controles internos, particularmente em estoques, não é novo para o Grupo Mateus. Um levantamento do Valor Econômico revela que, desde o IPO em outubro de 2020, a companhia recebeu alertas recorrentes de auditores sobre fraquezas na gestão de inventários. Em maio de 2021, no formulário de referência enviado à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) referente a 2020, a auditoria Grant Thornton identificou 42 deficiências moderadas nos controles internos, com ênfase na falta de acompanhamento do custo histórico do estoque. O relatório recomendava a implantação de um módulo para visualização e monitoramento, destacando o risco em um dos itens mais sensíveis para varejistas: o cálculo preciso de estoques.

Esses alertas foram listados como prioridade máxima nos formulários de 2020 e 2021, mas desapareceram a partir de 2022. Nos documentos subsequentes, a seção sobre auditoria limitou-se a afirmar que os auditores conduziram um estudo para avaliar procedimentos, “mas não para fins de expressar uma opinião específica sobre esses controles internos”, e que “não foram reportadas deficiências significativas relacionadas a controles internos”. A própria empresa, em resposta, mencionou investimentos em melhorias, incluindo a criação de um comitê de auditoria em 2020 para supervisionar as recomendações.

A Grant Thornton atuou como auditora por cinco anos, até 2025, quando a rotatividade obrigatória pela CVM trouxe a Forvis Mazars Auditores para o lugar. A nova firma, que não integra o grupo das “Big Four” e não audita outras grandes varejistas listadas na bolsa, assumiu em um momento de reanálise interna de estoques e mudança na política de inventário. Seus pareceres nos balanços trimestrais de 2025 não incluíram ressalvas sobre os temas, mesmo com os ajustes em curso. Procurada pelo Valor Econômico, a Grant Thornton informou que “não comenta questões contratuais nem informações relacionadas a clientes”. O Grupo Mateus, por sua vez, ainda não se manifestou publicamente sobre os alertas históricos.

Erros contábeis e operacionais: Do CMV ao “Calabresa Gate”

erro de R$ 1,1 bilhão refere-se a anos anteriores, reduzindo o valor de estoques de R$ 6 bilhões para R$ 4,9 bilhões em 2024.

Na teleconferência de resultados do terceiro trimestre, realizada em 14 de novembro, a diretoria esclareceu que, para 2024 especificamente, o impacto é de R$ 94 milhões, mas não detalhou o período exato dos ajustes cumulativos. Uma analista presente questionou o que “de fato foi a revisão de saldo financeiro” de estoques, levando a distinções entre temas contábeis e operacionais.

Fontes do setor, consultadas pelo Valor, apontam duas hipóteses principais para o erro no CMV: falhas no cálculo de impostos de entrada, como PIS e ICMS – que variam por estado e impactam diretamente o custo unitário – ou problemas na contabilização de bonificações industriais, uma linha de balanço que já causou prejuízos a concorrentes como Carrefour, Dia e Americanas. “É muito fácil errar nisso se você não tem bons sistemas porque cada Estado tem regime tributário diferente e isso tem impacto no estoque”, alertou um executivo de atacarejo.

Paralelamente, questões operacionais agravam o quadro. A expansão acelerada do Mateus – com dezenas de novas lojas por ano em estados do Nordeste – resultou em unidades com até dois anos sem inventário completo, checagens esporádicas a cada quatro ou seis meses e amostragem limitada por categoria de produto. Na teleconferência, Tulio Queiroz, vice-presidente de finanças, anunciou investimentos de R$ 15 milhões em tecnologia e contratações para inibir furtos, incluindo desvios no descarregamento de cargas. “A gente teve alguns meses com perda muito grande de alguns produtos que os funcionários estavam pegando o produto mais caro e passando num código mais barato. Um exemplo é calabresa, que é o dobro do preço e sobrava a mais barata e faltava a mais cara. Já temos pegado muitas ocorrências dentro das lojas”, relatou Ilson Mateus Rodrigues, presidente do conselho de administração.

A companhia nega conexão entre a superavaliação contábil e as ineficiências operacionais, mas admitiu que a frequência de inventários dobrou em 2025, passando para mensal e cobrindo todas as lojas pela primeira vez. Um sistema Kardex para rastreabilidade de entradas e saídas foi implementado recentemente.

Reações do Mercado e implicações para o setor

Gestores e analistas expressam confusão com a comunicação. “Os investidores não entenderam 100% dos movimentos. Até ficou claro o efeito prático, contábil, mas não está claro o porquê disso, porque levantar isso agora? E se pode ter outros ajustes mais para frente, disse um analista de banco ao Valor. Outro gestor destacou: “Depois disso, a diretoria disse que não tem relação entre os temas de estoque e inventário? Ficou confuso”. Apesar do lucro recorde de R$ 850,5 milhões no terceiro trimestre (alta de 152,5%), impulsionado por reversões de provisões fiscais, o mercado “dava um desconto” aos riscos históricos devido aos bons resultados, mas agora questiona a sustentabilidade.

Nas redes sociais, o tema ganhou tração imediata. O perfil oficial do Valor Econômico no X (antigo Twitter) postou o artigo principal, gerando 10 curtidas e 1.974 visualizações em poucas horas, enquanto investidores como @Capivaranab3 compartilharam o link, alertando para os riscos de governança.

A complexidade tributária da expansão – beneficiada por incentivos de ICMS no Maranhão, mas desafiada por regimes variados em novos estados – pode explicar parte dos erros, segundo fontes. Para o setor de varejo, o caso reforça a necessidade de sistemas robustos em um ambiente de inflação e crescimento acelerado.

O que vem pela frente?

Com a confiança dos investidores abalada, o Grupo Mateus precisa restaurar a credibilidade por meio de maior detalhamento e ações concretas. A ausência de menção a deficiências fiscais antigas – outro ponto sensível para atacadistas – também paira como risco latente. Enquanto isso, o mercado digere os fatos: “Agora todo mundo ainda tem que digerir porque é muito novo”, comentou um gestor. Por Alan. Alex / Painel Político